Possessões Templárias em Portugal
O historiador André Jean Paraschi, na sua História dos Templários em Portugal, admitindo a possibilidade de doações anteriores, refere a oferta, ainda em 1126 e por parte da rainha D. Teresa (mãe de D. Afonso Henriques), da vila de Fonte Arcada, perto de Penafiel, para além de herdades, quintas e solares ofertados por outros proprietários.
Segundo o frei Bernardo da Costa, na sua História da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo publicada em 1771, foi na Fonte Arcada que os templários instalaram a sua primeira sede em território português. Tal facto leva a colocar em dúvida a possibilidade de, nessa primeira fase, o seu principal papel ser militar – já que Penafiel ficava bastante longe da frente de combate contra os mouros.
Dois anos volvidos, a sede dos templários muda de local e, agora sim, parece ter já um papel militar. As instalações ficam, agora, no castelo de Soure, também doado por D. Teresa. Situado na confluência de três rios (Arunca, Anços e Arão, todos afluentes do Mondego), Soure funciona como guarda avançada à cidade de Coimbra. Por curiosidade, será às portas deste castelo que, em 1144, os templários sofrem uma das suas mais pesadas derrotas em Portugal, perante as tropas de Abu Zakaria, vizir de Santarém.
A lista, a partir daqui, engrossa rapidamente – muito em especial após a independência e a subida ao trono da dinastia de Borgonha. Esta simpatia dos descendentes do Conde D. Henrique pela Ordem do Templo poderá estar relacionada com a proximidade entre a nobreza da Borgonha e a de Champagne – de onde vieram os templários originais – ou com o facto de o grande ideólogo do templarismo, Bernardo de Claraval, ser ele próprio um borgonhês de nobres famílias.
Enquanto a nobreza portuguesa ia dando aos templários quintas e herdades a um ritmo alucinante, contribuindo decisivamente para o enriquecimento da ordem e para o incremento das fontes de receita, D. Afonso Henriques e os seus sucessores seguiam uma estratégia distinta: as suas doações, em terrenos ou fortificações, situavam-se em zonas estratégicas do País. Os reis reconheciam o poder militar dos templários e atribuíam-lhes funções de primeira linha de defesa contra possíveis ataques de muçulmanos ou castelhanos.
Mas os templários não se limitavam a um papel defensivo. Na maior parte das batalhas da Reconquista, os reis de Portugal puderam contar com soldados da Ordem do Templo entre as suas forças. Até durante o cerco de Lisboa, quando um exército muçulmano tentou, a partir do exterior, romper as linhas cristãs, foram os templários que estiveram nas zonas mais quentes de combate, prestando um apoio decisivo para repelir o inimigo.
Se olharmos para o mapa de possessões templárias em Portugal no final do século XII, verificaremos não apenas a grande quantidade de propriedades, mas, sobretudo, a distribuição lógica e estratégica das suas instalações militares. Pode dizer-se que Portugal foi, de facto, um dos primeiros locais onde o empório templário começou a estabelecer-se. No entanto, e ao contrário do que aconteceu noutros países (mormente em França), as relações entre a coroa e a Ordem do Templo foram sempre muito estreitas, sem que se conheçam quaisquer situações de tensão.
Uma das mais importantes doações feitas por D. Afonso I à Ordem do Templo foi, por alturas de 1159, a do território de Nabância. Seria aqui que nasceria Tomar, considerada a mais templária de todas as cidades. Com o seu magnífico castelo e com uma das mais importantes igrejas puramente templárias erigidas no Mundo (Santa Maria do Olival), Tomar terá sido, a par de Chipre, a capital oficiosa da Ordem do Templo. A sua importância era de tal forma grande que mereceu estrutura defensiva própria – que incluía os castelos da Cardiga, de Bode, de Zêzere, de Almourol e da Sertã, para além de fortificações em Pias e Domes.
Apesar de Portugal ter sido sempre um refúgio para os templários, devido às estreitas ligações que a ordem tinha com os monarcas, a sua presença entre nós não foi sempre pacífica. Logo durante a reconquista, o primeiro bispo cristão de Lisboa, o inglês Gilberto de Hastings, tentou convencer D. Afonso Henriques a colocar travão na autonomia templária (os seus mestres não respondiam senão perante o Papa), mas os seus intentos sairiam gorados.
Quando, a 13 de Outubro de 1307, Filipe, o Belo, rei de França, com a conivência do Papa Clemente V, logrou concretizar a extinção dos templários, vários monarcas europeus obedeceram às instruções papais. Não foi o caso de D. Dinis. O rei português exigiu, em troca, que o Vaticano o autorizasse a criar uma nova ordem militar e religiosa, que recebeu o nome de Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Temendo que, caso não acedesse à solicitação do rei português, Dinis permitisse a permanência dos templários no seu território, Clemente V aceitou. Aquele que ficou para a história como rei-poeta mas que não era, por isso, menos competente em termos políticos, não perdeu a oportunidade. Transferiu os bens templários para a novel ordem, evitando que caíssem nas mãos papais, e integrou os cavaleiros da Ordem do Templo que o desejassem na Ordem de Cristo, permitindo-lhes escapar à perseguição do Vaticano.Graças a estas medidas, Portugal manteve a capacidade militar e a cultura dos templários, ainda que agora ocultas sob outro rótulo. Seriam os templários a sugerir a plantação do Pinhal de Leiria, para drenagem das áreas pantanosas e para obter madeira para a construção de uma frota. E não foi por acaso que, quando partiram para os Descobrimentos, as naus portuguesas ostentavam nas velas a cruz templária. Mas isso são contas de outro rosário…
in Revista Focus (13/6/2006)
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