As Madonas Negras

12-02-2014 15:50

As Madonas Negras são imagens bastante intrigantes que têm confundido fiéis há séculos devido à sua coloração. Tanto representam a Senhora em pé como sentada num trono ou num banco, acompanhada de uma criança, e existem um pouco por todo o mundo, sendo que o maior número delas se encontra na Europa, quer veneradas em santuários quer expostas em museus.
Entre as mais conhecidas temos Jasna Gora (Czestochowa, Polónia), Montserrat (Espanha), Senhora da Aparecida (Brasil), Guadalupe (Espanha), Rocamadour (França), em Portugal existe uma num santuário praticamente subterrâneo na Nazaré. Todas têm como característica o facto de o rosto, as mãos e os pés serem negros. Algumas das imagens são originalmente assim, outras escureceram com o tempo, devido a algum motivo externo, natural ou não. A vasta maioria foi encontrada em catacumbas, subterrâneos, criptas ou grutas e as lendas que se contam acerca delas, perdem-se nas brumas do tempo. 


Só em França existem cerca de 50 santuários às Vierges Noires, e por curiosidade, muitos dos santuários dedicados a estas imagens negras incluem altares em honra de Maria Madalena, bem como os dedicados a esta última contêm habitualmente Damas Negras. Por exemplo, em Saragoça, no santuário da Senhora do Pilar, encontra-se um altar dedicado a Madalena que, na Idade Média, tinha grande peregrinações. É também em Espanha que encontramos um dos mais interessantes casos deste culto. Em Guadalupe, escondido no coração da Estremadura espanhola, entre as Serras de Vila Huercas e Altamiras, ergue-se o Real Mosteiro de Santa Maria de Guadalupe, onde podemos encontrar um dos mais significativos casos de culto a uma Virgem Negra; de facto, o mosteiro acolhe uma das mais venerandas imagens da escultura religiosa, cuja origem tambem se perdeu.
Ao contrário do que se imagina, as Virgens Negras não estão maioritariamente associadas à Virgem Maria, mãe de Jesus, mas sobretudo a Maria Madalena, também chamada de "a outra Maria" ...


Alguns códices apontam a origem da imagem para o século I d.C., chegando a atribuir a sua autoria a S. Lucas. Mais tarde, no século IV, aquando da trasladação dos restos mortais de S. Lucas para Constantinopla, a imagem teria acompanhado o evangelista nesse seu derradeiro percurso. No último quartel do século VI, a imagem terá estado exposta no oratório do papa Gregório Magno, exactamente o mesmo que declarou que Maria Madalena era uma prostituta e lhe ofertou o estigma com que acabou por ter de conviver até à retractação em 1969, quando o Vaticano corrigiu a informação do papa Gregório, declarando que Madalena não o era, portanto, não seria considerada como até então.
(Rezam as lendas que quando este Sumo Pontífice presidia a uma solene procissão, onde ia o andor com a imagem, para pedir à Virgem Maria que intercedesse sobre a cidade de Roma, que se debatia com uma forte epidemia, a mesma epidemia que suscitara a homilia onde Madalena fora identificada como a prostituta, o povo assistiu ao terminar da peste, enquanto surgia um anjo limpando o sangue de uma espada, no cimo da construção do Túmulo de Adriano, passando, desde então, a chamar-se o “Castelo de Sant’Ângelo”. Entretanto, Gregório Magno ofereceu a imagem negra a Leandro, arcebispo de Sevilha onde vai permanecer até 714, primeiros anos da conquista muçulmana (iniciada em 711).)


Porém, a mais plausível de todas as versões, é apontar-se que Maria Madalena seria uma líder e talvez mais do que isso, foi a co-fundadora do Cristianismo. Isso está claramente descrito nos chamados pergaminhos de Nag Hammadi, dos quais possivelmente a maioria conhece a história. Os documentos teriam sido escondidos por um monge em um mosteiro local no século 4, na mesma época em que o bispo de Alexandria mandou destruí-los. Os manuscritos têm nomes como “O Evangelho de Tomás”, “O Evangelho da Verdade”, “O Evangelho de Felipe” e um fragmento de “O Evangelho de Maria Madalena” que não foi encontrado por inteiro, entre outros. A presença de tantos fragmentos pode ser atribuída, além de outros factores, aos decretos e recomendações papais pedindo que estes não fossem utilizados pelos cristãos.... os pesquisadores modernos estabeleceram que alguns manuscritos, ou a maioria deles, datam de no máximo 150 d.C. por conseguinte, contemporâneos ou mais antigos que a versão mais conhecida dos canónicos.
Tal como o caso de Guadalupe, muitos são os santuários em que as imagens de Virgens Negras são como que um elo ancestral a uma proximidade muito grande com os tempos primeiros do cristianismo. Ao mesmo tempo, Maria Madalena está plenamente presente em todo o contexto.


Com certeza, muitos santuários ligados à Virgens Negras foram erigidos sobre antigos lugares de culto de deusas pagãs, atitude defendida por vários teólogos da época de Gregório Magno, que exortavam os padres a permitirem que os aldeões pudessem celebrar suas festas antigas.
Por um lado, toda a imagética das lágrimas será aproveitada para ligar as representações da santa a locais onde nasceria água, perfeita imagem das suas lágrimas que nunca terminavam. Por outro lado, a sua natureza ctónica era fortemente marcada por se dizer ter fugido para uma montanha e aí ter vivido numa gruta.


Muitas são as fontes com estátuas de Maria Madalena, como a já referida do Convento de S. Domingos de Benfica, em Lisboa. Mais próxima das questões telúricas, de uma fertilidade uterina, temos ainda casos como o que podemos encontrar em Alcobertas, Rio Maior (Portugal), onde uma anta pré-histórica foi transformada em igreja, sendo o orago, Maria Madalena.
O que nos surge como um dado certo, é que alguns autores medievais, tais como Hipólito, bispo de Roma (170-235 d.C.), associaram Maria Madalena à noiva morena dos Cânticos de Salomão (Cântico dos Cânticos 1, 5):


"Sou morena, mas formosa
Ó filhas de Jerusalém"


Esta proximidade ganha aspectos de peso, quando verificamos a relação entre os ciganos e Madalena, talvez a santa a que esta comunidade mais atenção presta.
De facto, são duas as figuras femininas do horizonte dos monoteísmos abraâmicos que os ciganos cultuam: Sara (também chamada Kali) e Maria Madalena. No local onde se crê que Maria Madalena e os seus atracaram quando chegaram à Gália, fazem anualmente os ciganos uma grande festa em honra da "sua" Sara Negra. Saintes Maries de la Mer. Quanto aos festejos de Madalena no Sul de França estão largamente documentados.
Maria Madalena revela-nos, assim, uma dimensão ligada a cultos muito antigos, próximos de horizontes de valoração da fertilidade, um horizonte onde a esposa de Jesus levaria consigo na fuga da Palestina, o Graal, na forma de vaso uterino que recebe o sangue da linhagem sagrada.