A Origem de Portugal e a Batalha de Ourique
POR PORTUGAL
O Divino Espírito Santo, Santa Maria, S. Miguel, a Paixão de Cristo e Portugal estão intimamente ligados.
O nome Portugal tem uma origem bem diferente daquela que a maior parte dos estudiosos tende a indicar. Porque, aos estudiosos com nicho na sociedade, falta muitas vezes a Fé. E a Fé também é conhecimento. Melhor: sem Fé naquilo que se estuda não há conhecimento. E oconhecimento do Sagrado só é desvendado àqueles que O procuram com o amor de uma Fé verdadeira; uma fé sem credo, sem religião oficial, mas vivida intensamente no amor que tudo abrange.
Dizíamos então que a origem do nome de Portugal não é de Portus Cale nem de outras latinizações mais ou menos na moda dos historiadores dos séculos XVIII em diante, que repudiavam tudo o que lhes soasse a esotérico ou medieval; repudiando assim também todo o intenso misticismo da Idade Média. Eles, que se julgavam os arautos do conhecimento, os portadores das “luzes” desse mesmo conhecimento estavam, a todos os títulos, a negar esse mesmo conhecimento; ou antes, a separá-lo, escolhendo o de mais baixa estirpe e descartando o de maior nobreza. Por o não conseguirem compreender. Por falta de Fé. Assim, se atentarmos nos selos do nosso primeiro Rei, D. Afonso Henriques, e os virmos para além das mutilações e falsificações que os inquisidores, arquivistas e demais perpetuadores do poder secular lhes infligiram nos séculos seguintes, poderemos compreender que o seu nome primitivo era escrito de duas formas; uma em galaico-português e outra latinizada:
1º Portugral – de “Por tu gral” ou, em português moderno: “Por ti Graal” ou mesmo “Porto do Graal”
2º Portucalis – ou, noutra forma, “Por tu Calix”: “Porti Cálice” ou “Porto do Cálice”
O calix ou Cálice é o Graal, o cálice da Eucaristia da última ceia de Jesus e onde, segundo a tradição, foi recolhido o seu Sangue. “Aquele que dele beber e for justo terá vida eterna; e àquele que dele beber em impiedade Ele trará a destruição e o lançará no abismo”, diz a tradição, provavelmente muito anterior ao cristianismo, por incrível que pareça. Mas o Graal é um arquétipo, e a sua forma e qualidades repetem-se por todo o Universo como num jogo de espelhos.
Alguns autores referem-se ao Graal como “pedra filosofal”, ou esmeralda caída dos Céus (lapis excoeli) e trabalhada em cálice, ou como “Sangue Real”,corruptela do francês “Sang Réal” – “Sangral” ou Santo Gral (v. Julius Evola,“O Mistério do Gral”). O “sangue real” seria a descendência sagrada da Casa de David, de que Jesus era membro. Alguns vão mesmo ao ponto de afirmar que o“sangue real” seria a descendência hipotética de Jesus de Nazaré. Outros afirmam que não é sequer um objecto material, ou uma descendência, mas sim um símbolo, um princípio.
Nas lendas do Rei Artur, a busca ou demanda do Graal, como objecto ou como princípio, é uma das preocupações dominantes dos cavaleiros da Távola Redonda, para salvar o reino que morria enquanto Artur definhava com a doença, para repor a bondade, a honra e a justiça no reino onde ela parecia estar em perigo de se perder para sempre.
Contudo, no nome de Portugal, Por tuGral ou Portu Cálix, a génese aponta mais para o Graal como cálice, o cálice da Eucaristia cristã. Também no seu nome ecoa a ideia de Portugal ser, de certo modo, um “Porto do Graal”, a onde o Sagrado Cálice viria a aportar ao fim de uma longa peregrinação pelo mundo.
Após vários documentos e tradições que dizem ter sido São Bernardo de Clareval (Clairevaux), monge cisterciense a quem D. Afonso Henriques doou o Mosteiro de Alcobaça, quem, ainda em França, planificou o futuro “Reino do Graal”, com a forma de um rectângulo de ouro (que Portugal continental ainda, grosso modo, mantém) desenhado sobre a “face” ocidental da Península Ibérica, então ainda maioritariamente em mãos sarracenas (ElAndaluz ou El Gherb, como era conhecida a parte dominada pelos árabes), aparece o ainda mais controverso caso do Milagre de Ourique, que marca quase por Graça Divina o início da Nacionalidade.
O caso é controverso apenas para aqueles que, como dizíamos no início, não buscam a trama da História com Fé e Amor verdadeiros. Procuram antes “não encontrar aquilo que não querem encontrar”, e essa busca negativa dá, evidentemente, os seus frutos negativos.
Contudo, o que se passou naquela madrugada e manhã do dia de S. Tiago, 25 de Julho de 1139, na planície alentejana, próximo da actual povoação de Castro Verde, e na altura conhecida por “Campos de Ourique” ou de “Oric” (toda a extensão de planície que vai de Grândola a Mértola), estará para sempre envolto nas brumas da lenda. Brumas essas que os “buscadores negativos” cada vez mais adensam. E já aparecem vários locais que, só por terem o toponímico “Ourique”, são indicados como “lugares cientificamente quase certos” da batalha.
Quanto à ocorrência da dita batalha, até os citados “buscadores de negações” não conseguem opor dúvida. Fica-lhes a tentativa de desmistificação do lugar, da importância do combate e, principalmente, do chamado “Milagre de Ourique”.
Mas a tradição popular e a memória colectiva das gentes, transportada até hoje pelas Forças Armadas, perpetuam com os seus ecos os ecos da batalha e do acontecimento transcendental de Ourique.
O local é uma colina a escassos quilómetros a leste de Castro Verde, um lugar chamado S. Pedro das Cabeças. Nessa colina, que ocupa uma posição privilegiada pois domina toda a planície em redor, entre rochedos que se erguem quase como mãos levantadas do solo a orar, foi construída uma capela, muitas vezes destruída e outras tantas levantada, a sacralizar um lugar já de si sagrado. Pois Ourique é um dos chakras energéticos de Portugal,correspondente à sephiroth Yesod ou Fundação da árvore cabalística hebraica, a qual sephiroth corresponde, por sua vez, a uma das emanações do Espírito Santo.
Assim, tudo o que acontece em Ourique – S. Pedro das Cabeças tem uma repercussão imediata, primeiramente em toda a Nação e depois em todo o Mundo. E, quando isso acontece – e tem acontecido muitas vezes – os ditos historiadores e analistas do negativo falam em “coincidências”, que se repetem século após século.
Perto da capelinha – conta atradição que uma das vezes foi mandada erigir por D. Sebastião, que havia ido em peregrinação ao local – está um monumento comemorativo da batalha, aí colocado pelo Exército Português que, repetindo o exemplo de D. Sebastião, aí vai prestar homenagem todos os anos. No monumento, para além da representação da espada do Rei-cavaleiro, estão os versos a ele alusivos da “Mensagem” de Fernando Pessoa, que ali encontram uma força e um eco terrivelmente actuais:
Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-noso exemplo inteiro
E a tua inteira força!
Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A benção como espada,
A espada como bênção!”
Hoje em dia, na imensa planície que parece imutável sob o Sol, para além de alguns curiosos e de uns poucos peregrinos amantes da Pátria e do Graal, apenas o Exército vai em visita e peregrinação regular ao local a onde se travou a sua verdadeira primeira batalha, em homenagem àquele que foi o seu comandante supremo na Terra. Graças a Deus que os códigos de honra ainda fazem bater corações.
Mas, afinal, o que se terá passado para provocar tanta celeuma, para ser atacado com tanto furor e apenas defendido na quietude das homenagens periódicas sob o céu da planície?
D. Afonso Henriques, que ainda não era chamado rei pelos seus, fazia regularmente incursões profundas (os fossados) no El Andaluz ou no Gherb, como era conhecido o território peninsular sob o domínio muçulmano. Estas incursões tinham por finalidade desgastar e desmembrar o poderio mourisco na região limítrofe do antigo condado que agora começava a tomar forma de reino, o “Porto do Graal”.
Em 1139, uma dessas incursões penetrou muito fundo no território inimigo, foi ao “coração do reino sarraceno”, como comentariam os cronistas. O exército de Afonso Henriques afastou-se mais de 100 quilómetros para sul das ainda precárias fronteiras do seu território, talvez na perseguição de algum grupo armado de cavaleiros sarracenos. O entardecer do dia 24 de Julho encontrou-o sobre a pequena colina no coração dos “campos de Ourique”. À sua volta e do seu pequeno exército acendiam-se as fogueiras de cinco exércitos árabes, comandados pelo emir de Santarém, Ishmar Abu Barnabeh.
Armadilha? Traição? Ou uma má avaliação de forças? Nunca o saberemos. Mas, enquanto o sol vermelho descia no horizonte da planície afogueada em calor, Afonso Henriques avaliava a situação, a sensação de desastre eminente a pesar-lhe na alma. A seu lado estava um jovem estratega, com quem Afonso Henriques trocava impressões, buscando uma saída para a situação desesperada. O seu nome era Gualdim Pais. Não o sabia ainda mas, nesse mesmo fim de dia, nesse local, iria ser armado cavaleiro por D.Afonso e, mais tarde, iria estar à frente da mais poderosa ordem de cavalaria ao serviço do Graal; iria ser Grão-Mestre da Ordem do Templo em Portugal[1].
O fumo das fogueiras dos acampamentos sarracenos enchia o ar com o seu cheiro acre, e D. Afonso havia pedido que, no seu campo, nenhum fogo fosse aceso para não dar ao inimigo o número dos seus. Andava inquieto no topo da colina, de cá para lá, a espada na bainha a bater na cota de malha das perneiras. Estratégias, estratégias, mas nenhuma parecia capaz de evitar o desastre. Então, a magia sagrada do local actuou nele. Armou cavaleiro Gualdim Pais “em Nome de Deus, de S. Miguel e de S. Jorge”, quase num desespero, para que o seu valido não perecesse peão de armas. Depois, contendo as lágrimas, encaminhou-se para os rochedos que, a sul, entre azinheiras, pareciam formar dois semi-círculos distintos de dedos de pedra erguidos para o céu. Cravou a espada no chão à sua frente, formando uma cruz, beijou-a devotamente e, de joelhos, orou intensamente frente à cruz improvisada. Orou à Virgem, à Divina e Eterna Mãe, e ao Mestre Jesus. Pediu auxílio, misericórdia. Para ele e para os seus, para o reino que queria construir e ofertar a Nossa Senhora, para a missão que parecia não ser capaz de levar a cabo.
Quando os últimos raios do sol poente desapareceram a oeste, pintando as poucas nuvens de um fogo alaranjado, Afonso Henriques pareceu serenar. Levantou-se, pegou na espada e, beijando-a,voltou a metê-la na bainha. Sem cear, dirigiu-se à sua tenda, dando ordens rigorosas ao sentinela para não ser incomodado, excepto por motivo grave.
Acordou com uma luz branca intensa, e deu por alguém dentro da tenda, ao lado da sua cama improvisada. Era um jovem cavaleiro, de armadura prateada cuja beleza e acabamento nunca havia visto ou sequer pensara existir.
- Como haveis entrado? Que desejais?– Perguntou ao estranho, de modo algo desabrido, entre a fúria e o temor.
- Apenas venho anunciar Aquele que chamastes… - Foi a resposta, em voz calma e cristalina, e depois retirou-se, silencioso.
Afonso saltou do catre de madeira e palha, pegou na espada e saiu da tenda. O sentinela continuava de pé do lado de fora, vigilante, a perscrutar o horizonte sob o céu estrelado.
- Porque deixaste entrar aquele homem? – perguntou ele ao sentinela, com fúria mal contida – Quem era ele?
O soldado olhou para Afonso com olhos espantados.
- Quem, senhor? Não vi ninguém… e ninguém entrou desde que vós o haveis feito…
Perturbado, Afonso regressa então ao interior da tenda.
No seu centro estava um homem ainda jovem de ar sereno. Como se o esperasse.
– Outro!? – exclama Afonso – Como é que entrastes, também tu?!
O visitante, de túnica branca, olhou Afonso com os seus olhos azuis de uma imensa serenidade.
– Chamaste-me, – respondeu – e eu vim…
Só então Afonso se apercebeu de quem estava à sua frente. Numa emoção profunda, prostrou-se aos pés do visitante, exclamando:
– Senhor, perdoai-me! Não Vos havia reconhecido!
Para logo acrescentar, numa quase audácia:
– Mas, porque apareceis a mim, que acredito em Vós, e não apareceis àqueles que me cercam, aos sarracenos infiéis, para que também acreditem?!…
Jesus olhou para Afonso, muito sério.
– Aqueles a quem chamas infiéis também acreditam em Mim, e no Pai, à sua maneira. Estou aqui porque me chamastee me fizeste um pedido…
E prosseguiu:
– Faz um estandarte branco, de linho. Sobre ele irás dispor, em cruz, cinco escudos azuis, um por por cada um dos exércitos que te sitiam, um por cada uma das Minhas Chagas. Em cada um desses escudos irás colocar cinco círculos de prata; se bem contares, uma vez na vertical, outra na horizontal, irás ver neles os trinta dinheiros da traição. E um aviso. Coloca este estandarte à frente dos teus homens, encomenda-te ao Pai e, amanhã de manhã verás a vitória.
De lágrimas nos olhos, Afonso não sabia o que dizer.
– Senhor, não tenho palavras, a emoção confunde-me… Farei o que me ordenardes…
– Eu sou o edificador e dispensador de Impérios, Afonso… Eu quero em ti e nos teus descendentes estabelecer o meu próprio Império.
Pousando a mão estigmatizada sobre a cabeça de Afonso, com imenso Amor, despediu-se. Ao levantar os olhos, Afonso viu que estava sozinho.
Correu ao exterior da tenda, onde o sentinela lhe lançou um ar entre o receoso e o interrogativo.
– Não passou por aqui ninguém, senhor! – disparou, antecipando qualquer pergunta.
Fora, sob a cúpula imensa estrelada, que começava a empalidecer aos primeiros alvores da aurora, só se ouviam os grilos e, dos fogos longínquos do inimigo, a voz dolente do Muezzin a chamar os crentes à oração.
Já o sol ia alto sobre a planície quando os homens de Afonso Henriques levantaram o estandarte recém-acabado. Haviam trabalhado com afinco durante horas, com materiais improvisados: o pano era de uma túnica de cavaleiro, os escudos haviam sido recortados do revestimento de couro tingido de azul de um escudo cristão, coberto de couro branco com uma cruz azul. Os dinheiros de prata, os bezantes como se diz em heráldica, foram botões de ferro polido que reforçavam uma cota de couro espesso.
Levantaram-no nessa manhã pela primeira vez, no céu azul rutilante dos campos sarracenos de Ourique, no Yesod do futuro reino do Porto do Graal, mal Afonso Henriques se levantava da oração, que tinha efectuado em silêncio com os seus pares, entre as pedras que pareciam mãos erguidas ao céu. Os capelães distribuíam as absolvições e as hóstias pelos soldados. No campo inimigo, o Muezzin já havia, há algum tempo, também chamado para a segunda oração do dia.
Nesse momento, de um pequeno maciço de azinheiras elevou-se em revoada um bando de rolas brancas.
– Bom presságio, – comentou o porta-estandarte – bem precisamos dele…
E apontou um grande grupo de cavaleiros árabes que avançava a galope em direcção à colina de Afonso.
Agora um, depois outro e mais outro; os grupos de cavaleiros sarracenos sucederam-se no ataque à colina onde ondeava a bandeira branca das cinco quinas. Como que a sondar as defesas cristãs, a sentir o ânimo do inimigo antes de lançarem o grosso do seu exército no ataque. Grupo após grupo de cavaleiros inimigos vinha e era rechaçado. Por fim, num ímpeto quase desesperado, lançaram a multidão de peões de Tarik, as hordas de Tânger, os cavaleiros de Córdova, estes de túnicas negras e elmos prateados que brilhavam ao Sol.
O combate durou horas. As “amazonas infiéis” de que falam alguns historiadores não eram mais do que as mulheres e companheiras dos homens de D. Afonso, mulheres cristãs destras no manejo das armas, que combatiam ao lado dos seus pares como leoas. O Corão proibia a arte da guerra às mulheres.
Por fim, já o calor encharcava a planície, quando o exército de Afonso Henriques começava a esgotar as forças físicas no ardor da luta, metade das suas guerreiras tombadas pelo campo após dura peleja, os cinco exércitos do emir Ishmar bateram subitamente em retirada.
“Allahu Ackbar! Insha’Allah!” Gritavam, ao retirar. “Alá é grande! Que se faça a sua vontade!”
E, na imensa planície que vibrava sob o calor do Sol abrasador, as colunas de pó dos exércitos em retirada perdiam-se na distância, deixando para trás, na urgência da fuga, muitos dos seus feridos e moribundos. Sobre a colina onde brilhavam as armas do exército cristão, contra o azul fundo do céu, ondeava, alva e bela, a bandeira com as cinco quinas formando uma cruz.
Abateu-se sobre a campina um grande silêncio, apenas cortado pelo gemido de algum ferido, como se todo o Alentejo estivesse suspenso daquele momento mágico. Os homens de Afonso entreolhavam-se espantados, em silêncio, e olhavam a campina onde as nuvens de pó dos cavaleiros sarracenos desapareciam na distância, para leste e para sul; mal podiam acreditar. Então, um pássaro começou a cantar; um canto de Verão, de calor, de Sol, de fertilidade. Afonso olhou a bandeira que flutuava no azul do céu. Já vira aquele azul. Algures. Algures nas profundezas da sua memória; e também na noite anterior – recordou-se num repente –, nos olhos límpidos do Mestre Jesus. A sua rude têmpera, levada ao extremo na violência da batalha, cedeu. Afonso caiu de joelhos por terra, frente ao estandarte, chorando convulsivamente. Ourique havia-o sagrado Rei, como ele havia armado cavaleiro Gualdim Pais que, agora a seu lado, olhava pensativo o horizonte. Portugral era reino e a sua bandeira ondulava agora ao vento das terras do Gherb.
Yesod, a sephiroth da Fundação na Árvore da Vida da Cabala hebraica. Manifestação do Espírito Santo na Terra. Por isso, Ourique seja para sempre venerada, como Berço de Portugral, como origem da sua Bandeira, como lugar de sagração do seu primeiro Rei. O Sagrado nunca pode ser esquecido, mesmo que as sombras pensem que o podem votar ao esquecimento.
Carlos Peres Sebastião e Silva
Agosto de 1998